Thursday, August 28, 2014

e aqui, na esquina do mundo,

há uma árvore morta.

Monday, August 25, 2014

E agora
que a liberdade voltou
pra casa
como um louco exilado
espumando de ódio
expatriado
arrombando a porta
soprando esse hálito
amargo
inundando tua paz
e tua morada,


você vai convidá-la,
gentilmente,
A viver aqui com a gente?

Wednesday, August 20, 2014

el tiempo

Para t.s.

o vento golpeia a janela, como naquela canção que não me sai da cabeça.  O dia se encurta, se alonga, se exprime nos vãos do tempo. o tempo não existe, ele me disse. mas aqui, nessa cidade, me apaixono por uma esquina de prédios antigos com um letreiro gigante que anuncia em concreto EL TIEMPO. el tiempo, el tiempo de cimento se faz de vento e golpeia a janela, me sopra urgência,  compromisso, propósito e um bocado mais de palavras que já desconheço o significado. SOU JOVEM, lhe respondo. mas há alguns dias atrás me caiu nas costas um ano a mais. um ano a mais, um ano a menos. aqui, nesse lugar, cumpro os anos como uma sentença.  e trato de sair da violência dessas palavras pra perder-me no meu bom e velho português que me diz calma, calma, foi só um aniversário.  uma festa, uma celebração.
O tempo não existe, ele me disse. E como não percebíamos sua presença,  de vingança nos engoliu em uma bocanhada só.

pablo y malena

Sentados em cima da caminhonete, baixo o céu imenso de estrelas, mascando salgadinhos de isopor, tremendo de frio desse gelo intenso de interior de país, silenciando, alternando a uma canção de algum rock argentino que beira o brega mas continua sendo rock, se olhando e evitando o olhar, preferindo perdê-los nas nebulosas de cima, enrolando os cachos do cabelo, batucando os dedos no teto da caminhonete, rindo de alguma piada sem graça, matando o tempo já tão pouco, vivendo o tempo agora revivido, e calando as frases mais complexas para desembocar em uma única e certeira dúvida:
quando a gente se vê de novo, pai?
sobre as mulheres que lêem o futuro nas ruas das grandes metrópoles.sobre a prosa serena entre as mulheres que lêem o futuro nas ruas das grandes metrópoles e as mulheres que não aceitam a própria condição nas ruas das grandes metrópoles. elas têm medo do presente e vem fuçar no futuro. elas vêm me consultar porque não sabem elas mesmas seguir o caminho delas. esqueceram a ordem das coisas. a mulher de guarda-chuva preto para. icônica. tira um lenço do bolso e enxuga uma lágrima por trás do óculos de sol. não há sol. o delegado falava que ia me pegar embaixo do viaduto e me levar pro xadrez. o sol por entre as grades. eu nunca mais ia sair. naquele tempo a gente era perseguida na rua. um canto imaginado. a gente ainda é. mas eles tem medo da gente. a mulher-de-guarda-chuva balbucia sua pergunta num dialeto que só las brujas compreendem. agita os búzios entre os dedos esfarelados. o vento sopra virando a esquina. a noite cai, o sol cai, as estrelas caem. como há de ser. a mulher que lê o futuro nas ruas das grandes metrópoles franze os lábios milimetricamente enquanto olha com olhos de vidro as conchas dispostas na mesa improvisada. o viaduto. a polícia. não. a iminência da polícia. os homens. eles.os passos agitados ao redor. o som do sino da igreja faz tremer a mesa. mas ela resiste. olhar com ternura. a mulher-de-guarda-chuva se encolhe embaixo do guarda-chuva. como se os frágeis dedos de ferragem fossem erguê-la, vértebra por vértebra, rumo à enorme boca úmida de chuva. engolí-la a qualquer momento. o futuro o futuro o futuro. o vir-a-ser enlouquecedor do tempo. da mesa do viaduto. do buraco do estômago das mulheres nas grandes metrópoles. do sino. da arma da polícia. do grito da polícia. do cassetete da polícia nas costelas dela. e do grito dela, da outra mulher, fora de quadro, suja, desgrenhada, enfiando os dedos nas entranhas do viaduto. o futuro escorregando pelas mãos. a mulher de guarda-chuva tira os óculos. agradece com um leve movimento ascendente do queixo. deixa as notas em cima da mesa bamba. la bruja sorri. pega um saquinho repleto de pó e lhe enfia nas mãos finas num gesto de adeus. a mulher presa no guarda chuva sai derramando farelos de pó mágico pelos paralelepípedos do viaduto. la bruja sorri. acaricia os búzios e o bucho de onde vem a humanidade inteira. a mulher louca desgrenhada profecia o apocalipse enquanto goza branco no asfalto. la bruja sorri. rindo do amanhã.

(Resgatando pedaços escritos)