Friday, February 29, 2008

Histórias de amor através da imagem hiperbolizada - cap.1

Vejo tua imagem no canto direito do meu campo de visão. Uma imagem muito mais indicial que icônica. Sei que és quem penso que és. Aguardo ansiosamente pelo deslize fulminante de um escape entre os recados que você apaga sempre que leu. Caço as respostas, que muitas vezes já foram apagadas também.Entro então no jogo de caçar as evidências no milésimo de segundo entre o enviar e o apagar. Teu e dela, teu e meu, mais meu que teu. Tua imagem fica lá, estática. Queria mais dinânica, mais ousadia, mais observações mas ela é tal qual se apresenta: fria, estagnada, projetada e ao mesmo tempo palpável. Não sei se de fato você está lá. Se ainda está, se já foi ou se por um erro do sistema, você sequer esteve. Mas me contento em ver pelo canto direito de um campo de visão quase cego.

Se você for embora, eu nem vou perceber, prometo.

Friday, February 01, 2008

O Segredo da cidade

Perdoem os erros de português ou as palavras engasgadas. É que preciso urgentemente contar de um caso que vi quando saí pela primeira vez na rua.

É a primeira vez que saio pra rua. Primeira não, talvez segunda ou talvez eu já nem lembre mais quantas e por isso pareça tanto que nunca vi essas coisas assim do jeito que tão.

Pras bandas daqui que eu também já não sei se é tão diferente das bandas de lá ou de qualquer outra banda, as cores do céu são chapadas. quando tá vermelho é vermelho e quanto é azul é azul e ponto. e daí que eu percebo que ser e estar tão sempre bem próximos mas são cada um uma coisa.
O ser é aquele homem de meia-idade, seguro de si, recém-divorciado, com duas filhas com as quais não se dá muito bem. Aquele tipo que a gente cruza na rua e não dá muita bola, não cativa, não treme as pernas - nem de medo nem de desejo. O estar.. o estar é aquele sujeito que tem alguma coisa que não se sabe bem o que, algum gesto ou olhadela de liberdade. Alguma feição de quem não compreende as coisas de gente normal: beber ao redor duma mesa ou ter estações do ano. O estar é meio ingênuo pra entrar na roda gigante. Às vezes entra, porque eu mesma já vi muitos desses em rodas gigantes.. mas está sem entender, meio deslumbrado.
É isso. Hoje, estou meio verbo estar. saio pra rua como se fosse a primeira vez. A surpresa é grande quando se decide trocar de transitividade. Acordo subitamente com umas vontades dessas, tipo ser outro verbo. E nessas trocas, se perde alguma gota de malícia ou acrescenta-se uma pitada de sarcasmo, um quê de insuficiência ou uma sensação de barriga cheia. Coisa louca.

As pessoas na rua, quando já se é verbo estar, agem de uma maneira engraçada: andam rápido, olhando pro chão, cruzam olhares rapidamente e às vezes sorriem ou fazem cara feia - bem às vezes. andam quarteirões poucos e se perdem em algum emaranhado de casas em cima de casas. Não sei se tenho vontade de falar das pessoas mais, acho que me detive a outra coisa nessa primeira andada na rua sendo "estar": os pensamentos altos que escapam das cabeças.
Coisas como indagações sobre contas, tamanhos dos prédios, remédios em liquidação, novos cortes de cabelo, almoços menos calóricos, meninas que largaram meninos e vice-versa, músicas da moda de cabo a rabo. Todos convivendo em pé de guerra no ar insalubre da metrópole congestionada. (tem muito barulho, não é sempre que dá pra ouvir os pensamentos altos..)

Foi nessa primeira andança, no dia que descobri que pessoas pensam alto quando o som baixa, foi nesse dia que tudo se sucedeu. Vou contar-lhes.

Me deparei com uma menina um tantinho mais baixa que os manequins comuns, ruiva, de sardinhas. Tinha uma franjinha que caía sobre os olhos, quase encobrindo uns olhos pequenos bem pequeninos e sem expressão. Nada do rosto da menina eu conseguia delimitar e diferenciar muito bem. o rosto, ah, o rosto era... redondo, meio ovalado, não sei bem. o nariz meio pontiagudo e fininho mas nada muito especifico. Boca e lábios de tamanho normal, rosas, como as de todo mundo. A verdade era uma: não tinha nada de especial. Parecia-se muito com todos os catálogos de rostos que já cruzei na vida, tinha formatos de jogos de forma, de massinha talvez. O fato é que parei na frente dela e quase imóvel, juro, quase imóvel fiquei. Me dei conta de que não conseguia ouvir seus pensamentos no meio dos outros. Eu tentava, tentava, fechava os ouvidos sabe, me concentrando pra achar algum pensamento que pudesse ser o dela, mas ela era tão comum, tão igual, tão não-especial, que nenhum discurso cabia naquele rosto trivial. Não pensava em cabelos, em roupas, em meninos ou meninas, em brigas familiares, dinheiro, planos pro dia, nem pensava sobre os quadrados multicolor que pisava, tentando fazer algum jogo qualquer de não pisar. Ela não tinha pensamentos.
Esse afinal é o caso que queria contar-lhes: o da menina cujo rosto não consigo lembrar-me, de tão igual. Dos pensamentos tão inexistentes que tive de inventar. Da garota que não era verbo, nem adjetivo, muito menos substantivo. Da garota tão igual no meio de tantos diferentes.

Virou meu segredo favorito. Daqueles que a gente guarda bem guardado porque os outros não iam acreditar mesmo. Pena que não consigo lembrar com imagens, já que era tudo muito parecido com o que a gente sempre vê.. Então tratei de decorar essa história em palavras pra ver se não esqueço. Fui o caminho todo de volta pra casa repetindo pra mim mesma as mesmas palavras e afinal, acho que é sorte que as pessoas não consigam ouvir pensamentos no meio de tanto barulho: a gente pensa demais as mesmas coisas.