Friday, July 01, 2016

bienvenidos sean los desventurados

Sr. Interlocutor Imaginário,
fantaseado por essa que te evoca,
para fins única e estritamente
terapêuticos, 
didáticos,
gestálticos,
metáfora
do eu-tu-tu-eu,
paradoxo irremediável
da tal subjetividade,
sr. vir-a-ser,
sr. do que não foi, nem pôde ser e é tudo,
sr. deus me livre da solidão
simbólica do eu,
sr. da demarcação territorial 
das beiradas da existência:
estou lhe avisando
e olha, 
quem avisa
amigo é que não é:

não me escolha,
jamais me escolha,
não me submeta 
a uma bifurcação.

eu sou lesteoeste 
do destino
pra confundir
não pra ajeitar
assentar
apaziguar.
a dúvida mesma
em si
o abismo e o meio-fio,
o salto e a queda

mas
jamais 
o chão.

sr. interlocutor:
decifra-me e te devoro
não me decifres e te devoro mesmo assim. 

Monday, February 15, 2016

Nocturno

sucubus na noite
sem plural.

engole o rabo
a cabeça

retorna ao cais.

mastiga
sem dentes
o que foi.

som de metais.

a banda toca,
exausta,
canção infinita

solo de sax

aos prantos
pó de traças
farrapos
veludo azul

Lo siento,
ela chora,
com pedaços de carne
entre os dedos

Ya es tarde
Ya es tarde
Demasiado tarde

Sucubus
véia di guerra
Devora a cabeça
Razão
De todos aqueles
Que não tem futuro.









Friday, January 09, 2015

Sentada à beira do rio, lavava os pratos do café da manhã dos hóspedes do hotel. Aí, à beira, comecei a cantar uma canção que sabia. Começou como um leve cantarolar e logo, dada a força do rio, já cantava mais e mais alto. Era como se cada gesto, cada movimento de uma tarefa que não estava acostumada, fosse se tornando mais e mais familiar, mais e mais automático, fluido. Naquele momento eu tive a certeza de estar conectada com todas as mulheres de todos os tempos de toda a humanidade. Elas estavam aí, lavando seus pratos, suas roupas, trocando histórias entre si, cantando suas canções a pleno pulmões para vencer o canto do rio. Elas estavam aí , observando as folhas caírem das árvores com uma rajada de vento, vendo suas proprias histórias refletidas na água turva de sabão de coco e areia. Naquele instante, nossas histórias se cruzaram e eu era uma delas também.


Wednesday, September 03, 2014

La segunda persona del singular

aun me muero
de esa cosa rara
que se me sube fria
por el cuerpo caliente
cuando te acercas.

samba cancao, sem cedilha nem til

auto exílio
fuga e passos atropelados
margem
beiradas, quinas de mundo
caminhar como se nao houvesse e
assim
já nao há.
esse samba triste
nao se canta aqui,
aquele outro,
um pouco mais alegre,
tampouco.
o porteiro me sorri
e pergunta se falo espanhol.
creio que falo.
creio que tudo isso
que sai de minha boca
(ainda)
sao palavras.
sigo tateando
a cor das noites
de minha cidade
no teu corpo.
meus gatos
meus livros
meu trago
meu fim de dia
sem horizonte
nas linhas de expressao
do teu rosto.
traco as linhas do meu destino
na palma da tua mao
e me perco
de novo
e de novo
que esse papo todo
de amor,
de saudade,
de samba
nao se canta por aqui.

Tuesday, September 02, 2014

en el mientras el para siempre

Y se me borran las huellas
en tu piel de asfalto
Se me pierde el rumbo
en tu flujo sanguineo
gris casi negro
Mis memorias y tus carteles
son hechos de la misma materia
volatil
como el humo
del que la gente se protege
con su mascara

seguimos
seguimos
aspirando el aire de recuerdos
de esta cidade-ciudad
sin traduccion para mi lengua madre.
Soy extranjera
en tus laberintos de historia,
mis voces hacen coro
a tu sinfonia de latidos
inhumanos.

Vuelvo a la casa,
que tampoco me pertenece
pero
seguimos
seguimos
tu y yo
en ese encuentro
de cuerpos desconocidos.

(Bogota, agosto, 2014)

Pedrito cocktails

A batida sincopada da cumbia sai pelo alto-falante improvisado de uma perna manca. A música soa e retumba por todos as ruazinhas, pequenas como caminho de rato. Ressoa nas paredes, chacoalha as construções de barro com palha. Os cachorros, todavia, dormem serenos como se escutassem somente o som de mar que vem atrás. Na última camada de cumbia há um mar que grita sereno, com a madurez de quem já viveu o suficiente para não fazer estardalhaço e, ainda assim, se fazer notar.
Pedrito está apoiado contra a parede com os olhos perdidos em algum canto. A música alta, o mar enfurecido, as frutas todas aos montes, as bebidas todas organizadas meticulosamente por cores e ele, a postos, alerta, esperando com ansiedade esse primeiro cliente que há de vir, há de vir. A barraca do pedrito, os coquetéis do juan, as empanadas do Argentino, a música do Eduardo, os artesanatos todos empoleirados em metros e metros de pano. É como uma cidade fantasma onde só existe para vender e ninguém para comprar.
A cumbia se converte devagar em uma melodia melosa e um ritmo mais lento. A tristeza e a noite se armam esperando para ser.


Thursday, August 28, 2014

e aqui, na esquina do mundo,

há uma árvore morta.

Monday, August 25, 2014

E agora
que a liberdade voltou
pra casa
como um louco exilado
espumando de ódio
expatriado
arrombando a porta
soprando esse hálito
amargo
inundando tua paz
e tua morada,


você vai convidá-la,
gentilmente,
A viver aqui com a gente?